terça-feira, 22 de setembro de 2009

UM NOVO AMOR

Desde que terminou o que tínhamos, certas coisas mudaram em mim. Mais coisas do que as que consigo percepcionar por agora: a ferida ainda está demasiado fresca, demasiado dolorosa para raspar a superfície e ver para além do sofrimento. Espero que cicatrize, com linhas róseas na minha pele, e que os seus contornos sejam suaves e misteriosos, que delineiem as novas vertentes de mim que nasceram do sangue e da cinza.
Mudou tanto em mim que por vezes não me reconheço. Sou como uma força da natureza que mantiveste presa por demasiado tempo e agora se liberta, explodindo em fogo colorido, entrando pela morte iluminando o desconhecido. Estive cativa, calma e dócil por demasiado tempo: é hora de voltar ao meu ‘’eu’’ antigo, construindo um novo ‘’eu’’. Hora de me reencontrar, de me reconciliar, com a minha força de outros tempos, com a minha violência, a minha inconstância, com a volubilidade do vento nas minhas veias. De viver para mim e fazer o meu universo à minha medida.
Pergunto-me se isto é mais uma carta para ti. Na verdade, não sei, mas duvido que venhas a ler isto, porque duvido também que tenha vontade de te enviar mais de mim. Sim, mais de mim, porque em cada texto eu deixo fluir a minha alma, o meu sentir. E tu não mereces, e talvez nem queiras, nada disso para ti.
De qualquer forma, apenas uma coisa não mudou. Não deixei de acordar de madrugada com palavras presas no peito, e necessidade de escrever para as libertar. Apenas mudou o meu destinatário: escrevo agora para o espaço aberto, esperando que, algures, alguém leia e compreenda.
Continuo a embelezar os desgostos com palavras bonitas; mais do que um vício, é uma necessidade absoluta. Sufoca-me o contraste puro e duro de sentimentos sem curvas, sempre a direito, rompendo o coração. Não, eu gosto de sublimar a dor com metáforas, tornar um coração partido num buraco negro de dimensões passivas, de uma lágrima formar um lago de gelo e sal. Realismo mágico, talvez. É a minha forma de ilusionismo, de mascarar a mágoa. E é o que me permite nunca mergulhar na tristeza a ponto de perder o fôlego antes de chegar à superfície.
Não pretendo com isto enganar ninguém em relação ao que sinto: por dentro, estou em carne viva, estou confusa e sozinha e confesso que me sinto ainda perdida.O meu ódio por ti é cru e negro, magoa-me como um espinho,quebra-me muito. Há dias que gostava de nunca me ter cruzado contigo. Desejos de vingança fervem-me no sangue,mas desta vez serei superior. Já não te quero, é uma realidade. Como uma estação, chegaste e passaste. Se me marcaste?Como poderias não ter marcado? Foi o amor mais forte, logo, é também o mais forte dos ódios. A mais profunda cicatriz.
Custou tanto esvaziar-me de ti. Como uma casa em mudanças, as paredes do meu coração têm ainda a marca dos teus retratos que arranquei do branco da tinta, o cheiro da tua ausência mais forte do que tudo. Mas de nós não sobra nada –fascinante como a mente humana desfoca as memórias mais dolorosas para nos proteger.
Compreendo agora porque já não me custa escrever-te assim, com palavras tão nuas e afiadas, as verdades que trazia escondidas. É que só sabemos escrever claramente se nos distanciarmos do assunto , quando ele morre para nós e é como uma paisagem que delineamos a letras. Tu morreste para mim, e contigo, morreu o último bocado de afecto que sentia por ti. Estou a fazer um luto demasiado rápido? Talvez, mas adivinha só : alguém fez o meu coração bater de novo. E não foste tu.

Sem comentários: